Iván
Izquierdo explica a importância da arte de esquecer
"Somos
aquilo que nos lembramos", disse o pensador italiano Norberto Bobbio. O
neurocientista Iván Izquierdo concorda, mas acrescenta: "Somos também
aquilo que decidimos esquecer".
Segundo
Izquierdo, que atualmente trabalha no Centro de Memória do Instituto de
Pesquisas Biomédicas da PUC-RS, o ser humano esquece para poder pensar, não
ficar louco, conviver e sobreviver. Caso contrário, todos seriam como Funes,
personagem do conto de Jorge Luis Borges "Funes, o Memorioso", várias
vezes citado por Izquierdo. Funes era capaz de lembrar absolutamente tudo que
vivenciara. E como sua mente se saturava com lembranças minuciosas sobre tudo,
era incapaz de fazer generalizações e, portanto, de pensar.
Assim
como é fundamental exercitar a memória (sobretudo com a leitura, recomenda
Izquierdo), para que as sinapses (conexões entre os neurônios) se consolidem e
possibilitem a evocação de memórias, é preciso praticar a arte de esquecer para
uma vida com maior bem-estar: "A arte de esquecer, como todas as artes,
depende de sutilezas, contém muito de involuntário, e pode ser utilizada para o
bem ou para o mal do próprio indivíduo".
A
memória de trabalho é aquela utilizada para entender a realidade que rodeia o
indivíduo, com o processamento imediato das informações recebidas, para a
formação e evocação da memória de curta duração, que dura algumas horas, e da
memória de longa duração, que dura dias, anos ou décadas.
A
arte de esquecer deve ser aplicada para o bom funcionamento da memória de
trabalho, na qual esquecer é parte da função, para que haja "o bloqueio
sensato do excesso de informações que às vezes nos inunda".
Outro
recurso é a falsificação de memórias, que o cérebro às vezes produz como um
mecanismo de defesa, para nos sentirmos melhor com uma lembrança parcial ou
distorcida de algúem ou de algo, no lugar dos aspectos desagradáveis ligados a
esse alguém ou algo.
Há
também a repressão, o esforço consciente ou inconsciente feito para não
recordar continuamente ou fora do momento oportuno episódios dolorosos,
humilhantes ou aterrorizantes.
A
extinção e duas formas próximas a ela, a habituação e a diferenciação, muitas
vezes não levam ao total esquecimento, mas refletem a arte de cancelar
respostas já inúteis. O neurocientista explica que essa atitude pode ter enorme
valor terapêutico no tratamento de fobias, pânico, angústia generalizada,
estresse pós-traumático e outras doenças psiquiátricas.
O
quinto componente da arte mencionado por Izquierdo é a chamada dependência de
estado, em que o cérebro se reserva o direito de responder só quando estiver
novamente sob a influência de determinado estado neuro-humoral e hormonal:
"Serve, entre outras coisas, para trazer à tona formas de resposta ao medo
só na presença de situações que as exijam".
Considerado
um dos maiores especialistas mundiais em fisiologia da memória, Izquierdo
pesquisa nessa área desde 1961, tendo publicado mais de 500 trabalhos em
revistas especializadas de circulação internacional. É autor de vários livros
sobre a memória e de dois de contos. Antes de trabalhar na PUC-RS foi professor
na Universidade de Buenos Aires, Universidade Nacional de Córdoba, Escola Paulista
de Medicina e Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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