Ayn Rand e o futuro do Brasil
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Giuliano Miotto
Há muito tempo que as principais notícias que vemos
diariamente nos meios de comunicação tratam de (a) algum desvio de
dinheiro público ou (b) alguém que foi preso ou que está sendo
investigado por crimes como lavagem de dinheiro, corrupção ativa e
passiva, prevaricação ou outras transgressões relacionadas. Chega a dar
nojo a falta de respeito com que os políticos tratam o dinheiro do
pagador de impostos no Brasil, sem falar da indignação que gera a forma
como eles fingem não ter nada a ver com isso.
Para piorar a situação, constatamos que os principais grupos
empresariais erigidos na última década no Brasil (os conhecidos campeões
nacionais), também estão envolvidos, de modo visceral, com todo esse
sistema corrupto; e que só cresce e se dá bem quem tem bons contatos em
Brasília, acesso a dinheiro subsidiado do BNDES ou algum tipo de benesse
legal. Toda essa maneira absurda de interagir com a coisa pública e a
busca de diversos grupos de interesse por um lugar ao sol, obviamente
tem suas origens em determinada forma de se ver o mundo e se estende
para as mais diversas áreas da nossa vida em sociedade, especialmente,
nos sistemas político, educacional e judicial. É certo que existe
corrupção e pessoas ruins em todos os países, e em todos os sistemas, e a
possibilidade da corrupção é algo inerente à natureza humana, mas o
Brasil tem sido pródigo em escândalos e na multiplicação de corruptos.
Adotando-se as premissas da teoria geral dos sistemas sociais, de N. Luhman[1],
em que o elemento central é a comunicação e a interação entre
indivíduos inseridos em um sistema social autopoiético (fechado), os
elementos que sustentam a ordem vigente são produzidos e reproduzidos
por todos que estão dentro da cúpula fechada, formando uma espécie de
círculo vicioso de pensamentos e premissas sociais, que influenciam de
forma bastante contundente os rumos da política, da educação e a forma
como as pessoas percebem e esperam que seja alcançada a justiça.
Neste sentido, nosso sistema social tem sido um reprodutor de
condutas antiéticas e focadas na busca de vantagens pessoais a qualquer
custo. Nossa Constituição, dita “cidadã”, estabeleceu dezenas de
direitos e garantias fundamentais (e outras dezenas de direitos
sociais), isto é, cheia de “boas intenções” baseadas nas ideias
socialistas e coletivistas de que o Estado tem a obrigação de ser o
vetor e o promotor da chamada “justiça social”. De um lado, boa parte
dos empresários acaba não tendo oportunidade de atuar virtuosamente,
gerando valor para a sociedade, mas sempre buscando formas de conseguir
benefícios, facilidades e apoio de políticos e gestores públicos
(corporativismo). De outro lado, políticos e gestores públicos fazem uso
perverso das instituições, do dinheiro público, retirado de maneira
forçada do bolso do pagador de impostos e contam com o apoio irrestrito
desses mesmo empresários, para se perpetuar no poder e continuar criando
dificuldades para vender facilidades. Trata-se de um ciclo vicioso do
qual poucos conseguem escapar ilesos.
Enfim, são a encarnação daquilo que foi expresso por Ayn Rand na sua famosa frase que diz: “Quando
você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem
não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia
não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos
pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não
nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos
de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade
se converte em autossacrifício; então poderá afirmar, sem temor de
errar, que sua sociedade está condenada.” Tudo formatado para que
não haja espaço para uma ética objetivista, mas sempre uma ética
altamente subjetiva e baseada nos caprichos de um “deus” chamado
sociedade.
Junte-se a isso um sistema educacional altamente controlado por esse
Estado corrupto e comprometido moralmente, e a organização social dos
extratos mais pobres de nossa sociedade que vive imersa na cultura de
dependência do Estado assistencialista: as pessoas que a compõem sequer
imaginam os enormes custos pessoais, para não falar dos sacrifícios
necessários para a manutenção do SUS, da educação pública, universal e
“gratuita”, bem como das diversas outras bolsas e benefícios legais. No
final das contas, os políticos e seus empresários de estimação são os
únicos beneficiados de fato desse perverso ciclo de dependência a que
são submetidas as pessoas mais pobres.
Nas épocas de eleição essas pessoas pobres acabam por vender seu
voto, único instrumento de barganha de que dispõem, para conseguir uma
pequena esmola: seja o pagamento de uma conta, a entrega de algum
material de construção, a promessa de uma casa ou lote popular ou o
próprio valor em dinheiro.
Já faz cerca de 60 anos que Ayn Rand escreveu uma de suas mais importantes obras, A Revolta de Atlas,
em que tentou traçar elementos objetivos para se abordar a ética e a
moral, encarnando em seu personagem principal, John Galt, uma espécie de
anti-herói, totalmente avesso à ética altruísta, ao coletivismo forçado
e ao autossacrifício que têm sido o discurso utilizado por políticos,
intelectuais e empresários que sustentam sistemas como o nosso, de viés
socialista (coletivista). Poucos anos mais tarde, Ayn Rand reuniu
alguns ensaios que haviam sido objeto de palestras ou publicados no The Objectivist Newsletter e disso surgiu o livro A Virtude do Egoísmo, em que buscou explicar o seu código moral – o egoísmo racional.
A ética altruísta consiste em um código de moralidade em que a base do que é bom ou mau depende do destinatário
da ação, e não da ação em si mesma (que é apreendida de modo objetivo e
racional pelo agente), o que leva à criação de uma sociedade perdida
que não reconhece os verdadeiros homens bons e virtuosos.
O que acontece hoje no Brasil e na maioria dos países que adotam
esses pressupostos, é que nos tornamos uma sociedade fraca, indolente e
incapaz de enfrentar de forma altiva os principais problemas e desafios
que se avolumam a cada década. É fato que a humanidade, de modo geral,
tem sido constantemente assolada por repetidos períodos de crise moral e
que o período em que vivemos, talvez, seja o que registre a pior delas.
A crise moral aprofunda-se ainda mais por causa da superficialidade com
que as pessoas interpretam as coisas e emitem suas opiniões ou
posicionamentos políticos. É curioso nos orgulhamos de viver na era da
informação, de termos as legislações de proteção social e de promoção da
igualdade mais “modernas”, quando, paradoxalmente, enfrentamos tantos
problemas estruturais e conjunturais? Precisamos buscar uma possível
solução para isso. E o presente ensaio visa demonstrar como a ética
objetivista pode, sim, promover uma verdadeira revolução cultural, em
que os indivíduos podem passar a enxergar melhor o seu papel na
sociedade e, mais do que isso, exigir uma drástica diminuição do Estado
protetor que, na verdade, nada protege.
Ayn Rand começa seu livro a Virtude do Egoísmo fazendo, dentre outras, as seguintes perguntas: porque
a humanidade precisa de um código de valores? Devemos terceirizar a
ética (como agir frente às situações) para sentimentos, costumes ou
convenções sociais ou seria melhor buscarmos as respostas na razão? Quando
observamos os principais fundamentos éticos e morais que sinalizam como
deveríamos nos comportar, podemos buscar validá-los recorrendo a um ser
transcendental e místico, ao qual convencionamos chamar de Deus, ou
podemos baseá-los noutro elemento bastante subjetivo que decidimos dar o
nome de “bem comum” ou de “sociedade”.
Como grande parte dos teóricos de esquerda ou socialistas rejeitam a
existência de um “Deus” único, sábio e perfeito em seus atributos, do
qual emanaria todas as regras morais, eles passaram a encher nossas
mentes com uma ideologia que denuncia todos os males do mundo -a
pobreza, a desigualdade, a infelicidade, a falta de solidariedade, etc -
como frutos da natureza egoísta do homem. Elegeram o que chamam de
“capitalismo” como a besta destruidora de sonhos e, não satisfeitos em
negar qualquer tipo de nobreza na busca de satisfação individual e de
lucro, passaram a propor um sistema político e social onde o “deus”
Estado passa a ser o provedor de tudo o que é bom, perfeito e agradável.
Assim, o Estado, como a igreja do “deus” sociedade, passou a ser a
régua e a fonte de validação de tudo o que devemos perseguir enquanto
humanidade caída e pecadora.
Quando consideramos que as premissas do parágrafo anterior permeiam
nosso sistema educacional e, portanto, moldam a formação de todas as
gerações, a situação torna-se apavorante e calamitosa. A formação
educacional de um homem precisa estimulá-lo a pensar pelo uso de sua
mente, de forma racional, de modo que ele possa questionar toda e
qualquer interação com as mais diversas fontes de conhecimento que o
circundam. Uma pessoa precisa aprender, antes de tudo, (a) discernir o
verdadeiro do falso através da ferramenta que valida seus conceitos (a
mente) e, não menos importante, (b) assumir a responsabilidade por suas
ações e pela sua existência.
Isto é algo desestimulado no atual sistema político, educacional e
judicial. Vivemos em um sistema em que a culpa sempre é de pessoas,
grupos ou fatores externos a nós, um subjetivismo absurdo que faz com
que o “povo” sempre busque heróis, semideuses, mitos ou líderes que
possam conduzir as coisas, na mesma proporção em que buscam culpados por
sua condição miserável. Nunca olhando para si, mas sempre atribuindo
toda sua amargura a demônios e potestades malignas criados pela retórica
socialista. Assim, odeia-se o empreendedor, o livre mercado, o liberal,
quem diz a verdade, etc. Com isso, busca-se também um tipo de “justiça” social, ou punição, contra aquele que ousa desenvolver alguma ideia, empreender ou crescer dentro do sistema.
Isso faz com que um industrial ou um comerciante que busca ganhar
dinheiro com sua invenção ou trabalho árduo seja visto com o mesmo
desprezo com que tratamos um estelionatário ou ladrão. Pois a busca pela
glória, pela autossatisfação pessoal, é tratada como um pecado mortal
que precisa ser combatido a qualquer custo. Nada mais oportuno nesse
sistema perverso que os políticos sejam os heróis do povo, imbuídos da
tarefa asquerosa de retirar o sangue desses animais egoístas e sem
compromisso com as pessoas sofridas da nação. Esse tipo de pessoa vai
atrás de qualquer condutor ou feitor que lhes prometa um mundo melhor e
facilidades para que não tenham que se esforçar demasiado para
sobreviver no mundo. Isso é um grande engodo promovido por um tipo de
pensamento dominante nesta era, o qual, inclusive, foi denunciado por F.
A. Hayek em seu livro O Caminho da Servidão, também foi desmentido por Mises no livro As Seis Lições e por inúmeros outros autores e pensadores, especialmente aqueles ligados à ética objetivista ou à escola austríaca.
Outro grande problema é a adoção, em larga escala, no nosso sistema
educacional, de princípios da “pedagogia do oprimido”, conforme proposto
por Paulo Freire, a qual, embora se proponha a fomentar um suposto
pensamento crítico nas crianças e jovens, na verdade, retira toda a base
sólida da realidade dos indivíduos, criando o espantalho de uma
inexistente guerra de classes (entre burgueses e operários, oprimidos e
opressores), fomentando um criticismo destrutivo dos valores mais
importantes para a sobrevivência da humanidade e criando uma geração
mimada, pedante e altamente sensível a críticas verdadeiras e
fundamentadas.
Este, infelizmente, é o retrato do Brasil atual. Um país onde, como
diria F. Bastiat, teve todas as suas leis pervertidas em seus objetivos,
em consequência todos os poderes de polícia também foram pervertidos e
distanciados da realidade, como isso “a lei transformada em
instrumento de qualquer tipo de ambição, ao invés de ser usada como
freio para reprimi-la! A lei servindo à iniqüidade, em vez de, como
deveria ser sua função, puni-la!”[2].
Diante de um cenário tão devastador, precisamos resgatar os valores
inerentes à existência humana e ao cultivo de virtudes, ao invés de
fomentar pedintes. Adotando-se a premissa de que um valor é aquilo que
move nossa ação [para a manutenção da vida] e que a virtude é o meio
pelo qual ganhamos ou mantemos as coisas. Neste sentido, para a ética
objetivista, três valores são fundamentais, quais sejam: 1) razão, 2)
propósito e 3) autoestima. Sendo que as três virtudes correspondentes
são: 1) racionalidade; 2) produtividade e 3) orgulho. É bastante óbvio
que essas virtudes estão ausentes em boa parte dos brasileiros, sendo
que a racionalidade poderia nos impedir de sermos enganados e seduzidos
por políticos populistas, a produtividade nos tornaria mais ricos e mais
valorizados pelos detentores do capital, e o orgulho acabaria com essa
síndrome de vira-latas que é característica da nossa cultura.
De acordo com Ayn Rand, um homem racional deve sempre buscar que seu
trabalho seja produtivo, gerando valor para o indivíduo e,
consequentemente, para a economia, não esperando receber pelo imerecido
(com base em fatores subjetivos), mas com base naquilo que ele, de fato,
oferece aos seus semelhantes. Como ele tem consciência de sua utilidade
e de seu valor, obviamente ele sente orgulho de sim mesmo e sua
autoestima está diretamente ligada à sua percepção de que sua vida tem
valor. Essa autopercepção de valor é algo fundamental para que possamos
sair desse sistema nefasto, de cartas marcadas e cheio de conceitos
errados, em que impera a cultura vitimista.
Por fim, se o bem é tudo que desejamos (como sociedade e indivíduos
particulares), em tese, só precisamos estabelecer racionalmente o que é
justo e moral e daí seguirmos. Uma nação em que os conceitos de bondade e
de moral não estão firmados em valores objetivos e suas virtudes
correspondentes não tem como prosperar. Acredito que somente a ética
objetivista possui os elementos necessários para quebrar todos esses
paradigmas perversos que têm escravizado o Brasil desde a sua descoberta
em 1500.
Afinal de contas, precisamos descobrir quem é John Galt.
[1] LUHMANN, Niklas (2005). A Realidade dos Meios de Comunicação. [S.l.]. São Paulo: Paulus.
2] BASTIAT, Frederic. A Lei.
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