Como Gramsci pode te ajudar a conquistar o mundo através do consenso
Conheça as ideias do filósofo neste guia que a GALILEU preparou com a ajuda do professor de teoria política Marco Aurélio Nogueira, da UNESP
27/04/2017 - 12H04/ atualizado 16H0404 / por Júlio Viana*

O
filósofo italiano Antônio Gramsci é amplamente conhecido por mostrar
como a cultura influencia importantes mudanças na sociedade. Depois de
passar oito anos na prisão por causa de sua luta contra o fascismo na
Itália, Gramsci morreu no ano de 1937, aos 46 anos de idade,
extremamente doente.
Sua vida inteira, porém, foi sempre
constituída de lutas. Quando jovem, estudou letras na Universidade de
Turim e, a partir daí, começou a se interessar por política. Tornou-se
jornalista e escritor notável. Suas ideias o levaram a fundar o primeiro
partido comunista da Itália, pelo qual foi eleito em 1924.
Gramsci viu seu país cair nas mãos de Mussolini e,
justamente, por sua oposição ao ditador foi detido em 1926. Durante os
anos como prisioneiro político, ele compôs sua principal obra: os Cadernos do Cárcere.
Neles, Gramsci condensou a maior parte de suas ideias, que abrangem
desde a teoria política até conceitos sobre filosfia e educação.
Muito além de palavras como hegemonia cultural e revolução passiva,
o filósofo apresentou conceitos que, mesmo tendo sido elaboradas no
início do século 19, nos ajudam a entender como a sociedade funciona e,
principalmente, como podemos mudá-la.
Conheça um pouco
das ideias de Gramsci nesse guia que a GALILEU preparou com a ajuda do
professor de teoria política da Universidade Estadual Paulista (UNESP),
Marco Aurélio Nogueira, que também colaborou com a tradução dos Cadernos do Cárcere aqui no Brasil. O Dicionário Gramsciano, organizado por Guido Liguori e Pasquale Voza, publicado pela Boitempo Editorial, também serviu como base.
A Hegemonia Cultural
“Hegemonia” é uma palavra grega que, em resumo, significa “dominação”. No início, o termo era utilizado apenas no sentido militar, para designar a dominação feita à força de um povo sobre outro. Com Gramsci, porém, a coisa muda de figura e adquire um caráter muito mais amplo.
“Hegemonia” é uma palavra grega que, em resumo, significa “dominação”. No início, o termo era utilizado apenas no sentido militar, para designar a dominação feita à força de um povo sobre outro. Com Gramsci, porém, a coisa muda de figura e adquire um caráter muito mais amplo.
A
hegemonia cultural ocorre quando um grupo ou um conjunto de grupos da
sociedade organizados em associações ou partidos conseguem exercer
influência o suficiente sobre outras pessoas a ponto de direcioná-las. A
natureza dessa influência, porém, não é nem um pouco física, mas sim de
ordem moral e intelectual.
Não pense, no entanto, em “polícia do pensamento” ou “ministério da verdade”. Apesar das ideias de repressão imaginadas por George Orwell, em seu livro 1984,
serem exemplos de extrema dominação cultural, elas não representam em
nada as ideias de Gramsci. Para o filósofo, a conquista da dominação
deve ser feita no sentido do consentimento e da busca do convencimento,
não da manipulação.
Gramsci foi um combativo e
intransigente antifascista. Não admitia que a vida das massas pudesse
ser controlada, como pretendia o regime de Mussolini com o propósito de
realizar uma grande transformação na natureza humana e na vida
associada. Para o filósofo marxista, trata-se precisamente do contrário,
ou seja, de estimular as pessoas a viverem criativamente e a agirem
como protagonistas.
“Sua marca distinta é a de ter
insistido bastante no fato de que a boa política — a política
democrática e aberta à participação social — é aquela que consegue criar
uma ponte de interlocução com o povo e até com os adversários. Que é
preciso dar elementos de caráter intelectual e cultural para que as
pessoas formem de maneira autônoma as suas próprias convicções”, explica
Marco Aurélio.
Todos os homens são intelectuais, mas nem todos exercem essa função
Gramsci considera que a filosofia, a arte, a poesia, a linguagem, a política e toda atividade produzida no âmbito da mente humana são, diferentemente do que muitos pensam, práticas as quais qualquer um pode se dedicar. Afinal, todos nós pensamos e, portanto, somos capazes de desenvolver ideias.
Gramsci considera que a filosofia, a arte, a poesia, a linguagem, a política e toda atividade produzida no âmbito da mente humana são, diferentemente do que muitos pensam, práticas as quais qualquer um pode se dedicar. Afinal, todos nós pensamos e, portanto, somos capazes de desenvolver ideias.
A diferença é que algumas pessoas tem a função
específica de trabalhar com ideias, elaborando-as e produzindo-as. Esse
ofício, porém, não está limitado apenas a professores, escritores ou
artistas, mas também envolve médicos, engenheiros ou qualquer outra
profissão em que a racionalização seja necessária.
Como
explica Marco Aurélio, essas pessoas são as responsáveis diretas por
produzirem e disseminarem a informação e, consequentemente, têm impacto
direto em qualquer disputa por hegemonia cultural que esteja acontecendo
dentro de uma sociedade.
Gramsci joga luz, portanto,
sobre a importância dos “produtores de conteúdo” possuírem consciência
das mensagens que transmitem para o mundo. São elas, afinal, que
permitem as mudanças que desejamos que ocorram.
Linguagem é poder
Se todos os homens são intelectuais, sua principal ferramenta é, portanto, a língua. É com ela que ele é capaz de transmitir suas ideias e sentimentos para o mundo. A linguagem não é só essencial para fazer-se entender perante o mundo como, mais importante ainda, é fundamental para que tenhamos capacidade de nos entender.
Se todos os homens são intelectuais, sua principal ferramenta é, portanto, a língua. É com ela que ele é capaz de transmitir suas ideias e sentimentos para o mundo. A linguagem não é só essencial para fazer-se entender perante o mundo como, mais importante ainda, é fundamental para que tenhamos capacidade de nos entender.
É por isso que,
para Gramsci, um léxico claro e preciso era uma das maiores armas na
luta pela hegemonia cultural. Linguista de formação, o filósofo dedicou
grande parte das páginas de seus Cadernos do Cárcere para produzir e desenvolver um vocabulário certeiro das áreas da política, economia e filosofia.
“Uma
das preocupações de Gramsci é fazer com a que a linguagem filosófica,
política, econômica, seja traduzida para o meio comum e para os diversos
ambientes sociais. Para ele, é preciso fazer uma adaptação, fazer uma
tradução para que as pessoas que não são especialistas possam se
apropriar dos conceitos e das perspectivas teóricas”, explica Marco
Aurélio.
Para entender melhor as ideias do autor, Marco Aurélio recomenda a leitura dos livros Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político, de Carlos Nelson Coutinho, e Modernidades Alternativas de Giuseppe Vacca. Além dele, o Dicionário Gramsciano compila todos os verbetes já utilizados pelo filósofo.
(*Com supervisão de Nathan Fernandes)
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